Banda liderada por um Axl Rose falhando até no assobio mostra pulso e recompensa fidelidade do público sob chuva com clássicos
Axl Rose parece hoje uma caricatura do que foi na década de 90. Afinal, se escorava no gogó e na aparência para se tornar ídolo de milhões de adolescentes. Dois atributos que ainda lhe pertencem, embora o tempo e o estilo de vida tenham tratado de castigar. Mas é o Axl Rose. A chuva caiu forte no último dia de Rock in Rio, e cerca de metade do público – é preciso contar boa parcela de fãs do System of a Down –, foi embora antes do meio do show. Mas era o Guns N’ Roses – ou pelo menos 50% da parte mais relevante do grupo. Apesar dos erros, quedas e nítida falta de voz em alguns momentos, quem ficou certamente não se arrependeu.
O vocalista merece um desconto. É autêntico. Não finge se importar em aprender três ou quatro palavras em português para o público se sentir mais próximo. A relação de Axl com os brasileiros, desde a recepção que teve na terceira edição do Rock in Rio, torna isso dispensável. Atrasou, 1h35 de intervalo entre a última música do System of a Down e a primeira do Guns, mas diante do seu histórico, com o agravante da chuva, até que foi modesto.
A água que caiu sobre a Cidade do Rock realmente prejudicou o espetáculo com palco encharcado e escorregadio, interferências no telão, poças imundas por todos os lados, além de quebrar o ânimo de muita gente que se encolhia de frio, mas Axl recompensou o público com hits de “Apetite For Destruction”, “Lies” e os dois volumes de “Use Your Illusion”. Dizer que as faixas de “Chinese Democracy” empolgam da mesma forma é forçar a barra. Não foi a primeira vez que o grupo teve problemas com chuva por aqui. Ao menos desta vez o palco não caiu, como em 2010.
Axl ainda mostrou que não morde, não todo mundo. Levou um tapa bem-humorado de Beta Labels, a brasileira de Santos, que chamou ao palco e é seu braço-direito desde 1993, e sorriu: “Nossa relação é abusiva”, brincou antes de "Better", quando induzia o público a dizer o nome da senhora, batendo com a pronúncia da música que estava por vir.
O palco também foi lugar de covers, alguns bem curtos, como “Sunday Bloody Sunday”, do U2. Teve “The Who” no piano e o tema de “Pantera Cor De Rosa” para solo do guitarrista que passou boa parte do show com uma guitarra de dois braços, Ron “Bumblefoot” Thal. Faltou, pelo que constava no setlist divulgado com mais de 30 músicas, o cover de AC/DC, “Whole Lotta Rosie”.
Curioso notar que, pelo menos em relação ao seu desafeto, o vocalista parece nutrir uma eterna saudade. Era fácil perceber que o guitarrista Richard Fortus foi vestido justamente como o integrante original do Guns N’Roses, Slash. De cartola e cabelo no rosto no início da apresentação, ele não arriscou mudanças ou muito improviso nas principais pérolas de Slash, como o solo de “Sweet Child O’Mine”, tocado nota por nota à perfeição.
O show começou às 2h40 (terminou 5h10), com Axl vestindo uma capa amarela, chapéu preto e óculos. Não tirou os trajes até os fotógrafos serem removidos de perto do astro. A primeira diferença a ser notada é que o Axl que tocava de colete e se esgueirava pelo palco ainda tenta repetir os movimentos, mas não descobre a barriga. Abrindo com “Chinese Democracy”, ele não é trouxa. Lançou em seguida o petardo “Welcome To The Jungle”, uma das faixas mais pesadas do primeiro álbum do grupo. Delírio, a este ponto a voz ainda estava no melhor que podia.
Mas, em 2h30 de espetáculo, que incluiu labaredas e fogos de artifício em cima do palco, certos momentos, como “Nightrain”, “Live And Let Die” ou o hit que fechou o Rock in Rio, “Paradise City”, serviram para os fãs mostrarem que estariam ali mesmo se Axl tivesse demorado outra hora para subir ao palco ou aparecesse de cabelo branco. Não se via deboche, ao contrário do que podia ser observado nas redes sociais onde borbulhavam adjetivos pela idade e peso.
Não foi apenas apenas Axl que teve momentos ruins. O baterista atravessou na entrada de "Patience" e o guitarrista que se arriscou a tocar no meio do público, sob chuva, no corredor de metal que liga o palco Mundo ao PA do festival, escorregou na volta ao tablado. Caiu, mas não perdeu a pose. Não é de se lamentar ter a rara presença do imprevisto em meio a tantos shows ensaiadinhos no festival. O vocalista também teve o seu passo em falso, ao perder o fôlego no meio da introdução com assobio de "Patience", a faixa que mais encanta o público feminino, a julgar pelos decibéis dos gritinhos. Além desta música, ”November Rain”, com ele no piano, também fez a alegria das meninas. Afinal, continua sendo o Axl Rose.